Com 77,4% da população católica, Piauí é o estado mais Católico do Brasil

O Nordeste é última fortaleza católica do Brasil, mas evangélicos avançam

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Nordeste brasileiro é a última grande fortaleza do catolicismo no país, concentrando 63,9% de fiéis católicos e abrigando seis dos nove estados com as maiores proporções de católicos do Brasil. No entanto, mesmo nesta região tradicionalmente conservadora do ponto de vista religioso, as transformações são evidentes: os evangélicos registraram o maior crescimento regional do país, com avanço de 37% entre 2010 e 2022, enquanto a diversidade religiosa ganha espaço, especialmente nos grandes centros urbanos.

Os dados divulgados na última sexta-feira (06/06), pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam um Nordeste em constante mudanças religiosas, onde a tradição católica secular convive com o avanço evangélico e o surgimento de novas expressões de fé.

O Piauí lidera nacionalmente com 77,4% de católicos, seguido pelo Ceará (70,4%) e Paraíba (69%), consolidando a região como o último bastião do catolicismo brasileiro. Paradoxalmente, é também no Nordeste que se encontra Salvador, a primeira capital brasileira a registrar menos de 50% de católicos (44%), sinalizando as profundas mudanças em curso.

 

Igreja de Santa Cruz dos Milagres, no PiauíSetur-PI

A análise municipal do IBGE revela contrastes ainda mais acentuados. Enquanto pequenas cidades do interior cearense como Granjeiro, Marco, Jardim e Caririaçu mantêm mais de 90% de população católica, municípios da Região Metropolitana de Salvador como Simões Filho apresentam menos de 29% de católicos, evidenciando como fatores geográficos, demográficos e socioeconômicos moldam o perfil religioso regional.

Piauí é o estado mais Católico do Brasil

O Piauí desponta como o último reduto do catolicismo brasileiro, mantendo 77,4% de sua população fiel à Igreja Católica Apostólica Romana. Este percentual, o mais alto do país, reflete não apenas a tradição histórica do estado, mas também características demográficas e sociais específicas que favorecem a manutenção da hegemonia católica.

A predominância católica piauiense contrasta dramaticamente com o avanço evangélico observado em outras regiões. Com apenas 15,6% de evangélicos, o Piauí apresenta a menor proporção dessa denominação no país, sugerindo uma resistência cultural e social às mudanças religiosas que caracterizam outras partes do Brasil. Esta estabilidade religiosa pode estar relacionada ao perfil mais rural do estado, à menor intensidade dos fluxos migratórios e à manutenção de estruturas sociais tradicionais.

A análise municipal piauiense revela um padrão de homogeneidade católica ainda mais acentuado no interior, onde pequenas comunidades rurais mantêm vínculos seculares com a Igreja Católica, inclusive, a partir das suas próprias fundações que aconteceram, em regra, em terras da Irgreja. Este fenômeno representa um contraste marcante com a realidade de estados vizinhos, onde a urbanização e a migração interna têm favorecido a diversificação religiosa.

 

77,4% da população do Piauí é fiel à Igreja Católica Apostólica RomanaSetur-PI

Em Teresina

A capital Teresina também se destaca no cenário nacional, registrando 70,18% de católicos, o maior percentual entre todas as capitais brasileiras. Mesmo sendo o centro urbano mais desenvolvido do estado, a cidade mantém forte tradição católica, embora tenha registrado queda de 9,27 pontos percentuais em relação a 2010, quando o índice era de 79,45%.

Os dados revelam que, em números absolutos, o Piauí conta com aproximadamente 2,18 milhões de católicos, seguidos por 440 mil evangélicos. A população que se declara sem religião, ateia ou agnóstica soma 121,6 mil pessoas, representando apenas 4,30% do total, menos da metade da média nacional de 9,3%.

 

Missa da Misericórdia em TeresinaFacebook | Portal da Misericórdia

No interior

No interior do estado, a tradição católica se mostra ainda mais enraizada. Bocaina desponta como o município mais católico do Piauí e o 31º do país, com impressionantes 94,24% da população se declarando católica. Na sequência aparecem São Luís do Piauí (94,20%), Jurema (93,52%) e Bela Vista do Piauí (93,43%).

 

Igreja de Nossa Senhora da Conceição em Bocaina-PIReprodução

No extremo oposto, Avelino Lopes apresenta a menor proporção de católicos do estado, com 50,42%, seguido por Alegrete do Piauí (52,11%), Redenção do Gurguéia (61,48%) e Corrente (61,68%). Mesmo nesses municípios considerados "menos católicos", os percentuais ainda superam a média nacional.

 

Igreja de Nossa Senhora de Fátima, em Alegrete-PIFacebook / Paróquia de Nossa Senhora de Fátima

Perfil socioeconômico da religião no Piauí

A análise dos dados por cor e raça mostra que a maioria da população branca (60,15%) e parda (55,56%) é católica, seguindo padrão similar ao nacional. Entre as religiões evangélicas, as maiores proporções de adeptos são de cor ou raça indígena (32,23%) e preta (30,01%), indicando possível correlação com fatores socioeconômicos.

Um dado que chama atenção é a taxa de analfabetismo entre os diferentes grupos religiosos. No Piauí, os católicos apresentam taxa de analfabetismo de 16,89% entre pessoas de 15 anos ou mais, mais que o dobro da média nacional para católicos (7,8%). Os espíritas, por outro lado, registram a menor taxa de analfabetismo no estado (1,77%), seguindo tendência nacional.

 

IBGE aponta que maioria dos católicos são brancos e pardosReprodução

Mulheres predominam em todas as religiões

O levantamento também revela que as mulheres são maioria em todas as religiões praticadas no Piauí, com exceção do grupo que se declara sem religião, onde os homens representam 58,13%. Entre as praticantes de tradições indígenas, as mulheres chegam a 68,75% dos adeptos, o maior percentual registrado.

No espiritismo, as mulheres representam 62,20%, enquanto nas religiões evangélicas são 57,54%. Nas práticas de umbanda e candomblé, que cresceram de 0,06% em 2010 para 0,43% em 2022, as mulheres correspondem a 54,01% dos praticantes.

 

Mulheres são maioria / Foto: Setur-PI

Diversidade religiosa em crescimento no Piauí 

Apesar da hegemonia católica, o Piauí também registra crescimento de outras expressões religiosas. As religiões afrobrasileiras, como umbanda e candomblé, saltaram de 0,06% em 2010 para 0,43% em 2022, representando cerca de 12,2 mil pessoas. O espiritismo manteve-se estável, passando de 0,35% para 0,37%, com aproximadamente 10,3 mil adeptos.

As chamadas "outras religiosidades", que incluem judaísmo, hinduísmo, budismo e islamismo, além de casos de múltipla religiosidade, cresceram de 1,32% para 1,82%, somando cerca de 51,5 mil pessoas. As tradições indígenas, embora representem apenas 121 pessoas no estado, mantêm sua importância cultural e histórica.

 

Praça dos Orixás, em TeresinaReprodução

Bahia estado é menos católico do Nordeste

A Bahia aparece como a grande exceção do panorama religioso nordestino, apresentando o menor percentual de católicos da região (57%) e a dinâmica mais diversificada. Com mais de 7 milhões de católicos, o estado mantém a terceira maior população católica do Brasil, mas sua proporção relativa revela transformações profundas que o distinguem dos demais estados nordestinos.

Salvador, a capital baiana, representa um marco histórico ao se tornar a primeira capital brasileira com menos de 50% de católicos (44%). Esta transformação não é apenas estatística, mas simboliza mudanças culturais e sociais profundas que redefinem o perfil religioso de uma das cidades mais importantes do país. Com 900 mil católicos em números absolutos, Salvador mantém uma comunidade católica significativa, mas sua proporção relativa evidencia a emergência de um novo paradigma religioso urbano.

 

Catedral de São Salvador, Savador-BAReprodução

A diversidade religiosa soteropolitana é particularmente notável. Com 18,5% de pessoas sem religião (400 mil habitantes), Salvador lidera entre as capitais brasileiras neste quesito, sinalizando processos de secularização mais avançados. Simultaneamente, a cidade abriga a quarta maior população de praticantes de umbanda e candomblé do país (60 mil pessoas, 2,8% da população), evidenciando como a valorização da herança africana contribui para a diversificação religiosa.

A análise dos 417 municípios baianos revela padrões geográficos distintos. Sessenta e cinco municípios não têm maioria católica, concentrados principalmente na Região Metropolitana de Salvador e em áreas de fronteira agrícola. Simões Filho, com apenas 29% de católicos, representa o extremo da transformação religiosa baiana, funcionando como um laboratório das mudanças que podem se espalhar por outras regiões.

O avanço evangélico baiano apresenta características específicas. Mucuri, no Extremo Sul, lidera com 39,6% de evangélicos, seguido por Simões Filho, Nova Ibiá, Itapetinga e Nova Viçosa, todos com 37,4%. Esta distribuição geográfica sugere que regiões de fronteira agrícola e periferias metropolitanas funcionam como pontos de entrada para o crescimento evangélico, possivelmente relacionado a fluxos migratórios e processos de mobilidade social.

As religiões de matriz africana encontram na Bahia seu espaço mais expressivo no Nordeste. Itaparica lidera com 6,3% de praticantes de umbanda e candomblé, seguida por São Félix (3,7%), Cachoeira e Salinas da Margarida (3,6% cada). Estas cidades, todas com forte herança histórica africana, evidenciam como fatores culturais e identitários influenciam a distribuição religiosa regional.

 

Itaparica lidera com 6,3% de praticantes de umbanda e candombléReprodução

Outros estados do Nordeste

Além do Piauí, Ceará e Bahia, o levantamento do IBGE também revela que os demais estados do Nordeste apresentam que o catolicismo segue sendo a principal religião da região como um todo. A seguir, veja a lista, em ordem decrescente da população católica por estado:

O Avanço Evangélico no Nordeste

O crescimento evangélico no Nordeste, embora menos intenso que em outras regiões, apresenta características específicas que merecem análise detalhada. Com avanço de 37% entre 2010 e 2022, representando 6,1 pontos percentuais de crescimento, a região registrou a maior variação evangélica do país, evidenciando que mesmo em contextos tradicionalmente católicos, as transformações religiosas são inevitáveis.

A distribuição geográfica do crescimento evangélico revela padrões consistentes. Regiões metropolitanas, áreas de fronteira agrícola e municípios com características de migração interna apresentam os maiores avanços. Este padrão sugere que o crescimento evangélico está associado a processos de mobilidade social, urbanização e ruptura com estruturas tradicionais.

 

Igreja Universal do Reino de Deus em Teresina-PI

O perfil demográfico dos evangélicos nordestinos, embora não detalhado nos dados preliminares, provavelmente segue tendências nacionais de concentração entre populações mais jovens, pardas e com menor escolaridade. Esta característica demográfica pode explicar o crescimento sustentado da denominação, considerando que estes grupos tendem a ter maiores taxas de natalidade e mobilidade geográfica.

A análise municipal revela que o crescimento evangélico não é homogêneo. Enquanto grandes centros urbanos registram crescimentos absolutos significativos, municípios menores apresentam variações percentuais mais expressivas. Itaitinga, no Ceará, exemplifica este fenômeno com crescimento de 243,98% no número de evangélicos, evidenciando como transformações locais podem ser mais intensas que tendências regionais.

Diversidade religiosa no Nordeste

Além do crescimento evangélico, o Nordeste registra emergência de outras expressões religiosas que contribuem para a diversificação do panorama regional. O crescimento das religiões de matriz africana, embora ainda representem proporções pequenas, é simbolicamente significativo em uma região com forte herança cultural africana.

A Bahia lidera este movimento, com municípios históricos como Itaparica, São Félix e Cachoeira apresentando proporções significativas de praticantes de umbanda e candomblé. Este crescimento não representa apenas mudança religiosa, mas também valorização identitária e cultural que transcende o aspecto puramente espiritual.

O espiritismo, embora em proporções menores, também encontra espaço no Nordeste. Municípios baianos como Barra do Mendes (4,5%) e Palmeiras (3,4%) apresentam proporções significativas de espíritas, possivelmente relacionadas a características educacionais e socioeconômicas específicas.

O crescimento do grupo "sem religião" representa outro aspecto da diversificação religiosa nordestina. Salvador lidera com 18,5%, mas municípios menores como Horizonte, no Ceará, também apresentam proporções significativas (12,88%). Este fenômeno sugere processos de secularização que, embora menos intensos que em outras regiões, começam a se manifestar no Nordeste.

 

Casa do Caminho, em Salvador-BAReprodução

Transformações

As transformações religiosas nordestinas não ocorrem no vácuo, mas refletem mudanças sociais, econômicas e demográficas mais amplas. A urbanização acelerada, especialmente nas regiões metropolitanas, cria contextos favoráveis à diversificação religiosa, rompendo vínculos tradicionais e criando novas demandas espirituais.

A migração interna, tanto rural-urbana quanto inter-regional, funciona como vetor de mudança religiosa. Populações migrantes, ao se deslocarem de contextos tradicionais para novos ambientes, frequentemente encontram nas igrejas evangélicas formas de organização comunitária e apoio social que facilitam a adaptação.

 

Igreja Evangélia Angelim, em Teresin-PIReprodução do Instagram

As transformações econômicas, incluindo o crescimento do setor de serviços e a modernização da agricultura, criam novas classes sociais e aspirações que podem se refletir em escolhas religiosas. O crescimento evangélico em regiões de fronteira agrícola exemplifica como mudanças econômicas podem influenciar padrões religiosos.

Fatores educacionais também desempenham papel importante. O aumento da escolaridade, embora gradual, pode contribuir para a diversificação religiosa e o crescimento do grupo sem religião. A correlação entre educação e diversidade religiosa, observada nacionalmente, provavelmente se manifesta também no Nordeste.

Perspectivas

As tendências observadas no Censo 2022 sugerem que o Nordeste continuará sendo a região mais católica do Brasil, mas com diversificação crescente. A manutenção da maioria católica parece assegurada no médio prazo, especialmente em estados como Piauí e Ceará, mas a proporção relativa provavelmente continuará diminuindo.

O crescimento evangélico, embora desacelerado nacionalmente, pode manter ritmo significativo no Nordeste, especialmente em contextos urbanos e de fronteira. A região oferece ainda amplo espaço para expansão evangélica, considerando que sua proporção atual (22,5%) está abaixo da média nacional (26,9%).

 

Horto de Padre Cícero, no Ceará, um dos principais locais da manifestação católica no NordesteReprodução

A diversificação religiosa, embora gradual, tende a se acelerar, especialmente em centros urbanos. Salvador pode funcionar como laboratório de transformações que posteriormente se espalharão para outras capitais nordestinas. O crescimento das religiões de matriz africana e do grupo sem religião provavelmente continuará, refletindo mudanças culturais e educacionais mais amplas.

A polarização entre interior conservador e metrópoles diversificadas tende a se acentuar. Pequenas cidades do interior provavelmente manterão características católicas tradicionais, enquanto regiões metropolitanas continuarão diversificando-se. Esta polarização pode ter implicações políticas e sociais significativas.