Nas décadas de 1980 e 1990, uma parte do sertão brasileiro nos estados de Pernambuco e Bahia ganhou fama nacional e ficou conhecida como “Polígono da Maconha”. Era a região composta pelos municípios de Salgueiro, Cabrobó, Orocó, Petrolina, Carnaubeira da Penha, Belém de São Francisco, Betânia, Floresta e Santa Maria da Boa Vista, em Pernambuco. E Juazeiro, Paulo Afonso, Glória e Curaçá, no norte da Bahia.
Os relatos da existência da cannabis na região datam do século XIX, mas o auge se deu nas duas décadas finais do século XX. Estudo de um pesquisador da Universidade de Juiz de Fora apontou que o “Polígono da Maconha” chegou a produzir 40% da maconha brasileira no período. As disputas pelos plantios da erva fizeram estourar a violência naquelas bandas anos atrás, protagonizada por clãs que dominavam a produção da droga e lideravam o banditismo da região, que incluía assaltos nas estradas e a bancos.
Trevo do Ibó-PE: entroncamento de rodovias que virou símbolo da região do Polígono da Maconha
A partir dos anos 1990 e no começo dos anos 2000, as forças do Estado, inclusive com forte atuação da Polícia Federal, intensificaram ações de repressão aos plantios e à comercialização da maconha na região. As ações policiais surtiram efeito e, hoje em dia, embora ainda existam muitas plantações naquela área, a realidade é bem diferente de outrora. Até mesmo a nomenclatura “polígono da maconha” é vista hoje como pejorativa.
Mas o que o Piauí tem a ver com isso? Bem, essa breve introdução foi necessária para que se possa fazer um alerta às autoridades do estado do Piauí.
Descobertas de grandes plantações de maconha tem sido feitas nos confins de alguns municípios piauienses localizados exatamente próximos da região da Bahia e de Pernambuco que ficou conhecida como “polígono da maconha”. Somente no município de Dom Inocêncio, por exemplo, que fica a 615 km de Teresina, na divisa com a Bahia e perto da divisa com Pernambuco, foram duas grandes roças destruídas num intervalo de poucos meses.
Plantação de maconha descoberta em Dom Inocêncio em julho de 2022 (Foto: Divulgação/PM-PI)
O município de Dom Inocêncio é um dos maiores do Piauí em extensão territorial e fica numa região estratégica, que inclui a divisa de três estados (Piauí, Bahia e Pernambuco). Está a cerca de 200 km da área chamada de “polígono da maconha” e fica distante de todas as cidades mais próximas. São Raimundo Nonato, maior cidade da região, fica a 100 km. Remanso, na Bahia, está a 90 km e Casa Nova, também na Bahia, a 140 km.
Aliados às dificuldades de distância estão ainda muitos trechos de estradas de terra e incontáveis entradas e saídas que dão acesso aos estados vizinhos por diversas partes. De um extremo ao outro, o município de Dom Inocêncio tem aproximadamente 150 km de extensão. A descobertas de roças de maconha acenderam um alerta na população local, principalmente pelo fato de que as terras em que estavam as duas plantações haviam sido adquiridas por pessoas de fora, justamente dos estados vizinhos.
A plantação mais recente de maconha descoberta no Piauí ocorreu no último dia 19 na zona rural de Paulistana, outra cidade próxima ao “polígono” de Pernambuco. Eram mais de 100 mil pés numa área de dois hectares. Segundo a polícia, a roça foi feita com uma linha de produção moderna, em ciclos: tinha um viveiro de mudas, plantas em diversos estágios de crescimento e os equipamentos para deixar a planta pronta para o consumo. Cerca de 100 kg achados no local estavam prontos para a comercialização.
Plantação de maconha descoberta em Paulistana este mês (Foto: Divulgação/PM-PI)
Essas descobertas têm que servir de alerta para as autoridades do Piauí. Com a forte repressão dos últimos anos no polígono da maconha nos estados vizinhos, traficantes podem estar migrando a produção de maconha para lugares mais isolados do Piauí, adquirindo terras em zonas rurais de municípios com pouco policiamento e de população pacata. Nas duas descobertas de Dom Inocêncio, por exemplo, a polícia, embora tenha feito ampla divulgação das operações, só prendeu os “peixes pequenos” que cuidavam do serviço braçal nos plantios no momento da chegada dos policiais.
Esta coluna procurou o secretário de Segurança Pública do Piauí, Chico Lucas, para falar sobre o tema. O gestor foi questionado se a SSP-PI não avalia a possibilidade de que criminosos de estados vizinhos estejam migrando para plantar maconha no Piauí. Também foi perguntado se as investigações miram os verdadeiros responsáveis pelas roças e em quem adquiriu os terrenos usados para as plantações. A resposta foi bem curta: “Vou estudar o assunto. Não tenho elementos para responder”, se limitou a dizer.
Embora a Secretaria de Segurança faça ampla divulgação das descobertas das roças, Chico Lucas também não soube dizer como estão ou se há investigações em curso para prender mais pessoas, já que as prisões até aqui se limitaram aos “operários” flagrados nos plantios.
Área de divisa dos estados do Piauí, Bahia e Pernambuco (Foto: Reprodução/Internet)
Há quem possa considerar essa preocupação excessiva e um tanto exagerada, porém, não custa nada se precaver, ainda mais se considerarmos os indícios e também as características geográficas da região, além, claro, do pouco policiamento. Que as autoridades do Piauí comecem logo a “estudar o assunto”, pois prevenir é sempre melhor que remediar.